Nas minhas leituras e deambulações sobre autoconhecimento deparei-me há uns tempos com uma metáfora curiosa sobre o conceito de felicidade. Muito bem descrita pelo filósofo e historiador Leandro Karnal no seu livro “O Dilema do Porco Espinho”, fala sobre o seguinte:
Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, na sua juventude gostava de escalar montanhas. E numa dessas aventuras, durante o Inverno, reparou num grupo de porcos espinhos que sentiam frio. Ora como sentiam frio, aproximavam-se uns dos outros para se aquecerem. Mas, ao mesmo tempo que se aproximavam, espetavam-se, o que os fazia se afastarem.
Reparem que isto é uma alegoria formidável, para representar a dinâmica humana. O frio que os porcos espinhos sentiam representa o isolamento, o medo da solidão, de não ter companhia, de não ter em quem confiar.
O Homem é um ser gregário e portanto é impossível pensar em felicidade sem ser de uma forma relacional. Todos os momentos de alegria ou dor têm quase sempre uma relação com alguém.
Mas voltemos ao porco espinho e à sua alegoria:
Eu, ser humano, aproximo-me das pessoas porque sinto “frio”, tenho medo de estar só, mas as outras pessoas também têm as suas próprias características, suas sombras, suas diferenças, seus “espinhos”. E eu também incomodo os outros com os meus próprios “espinhos”.
Quanto “frio” eu serei capaz de suportar? Quanta dor suportarei em função da presença ou ausência dos outros?
Este é o grande dilema e ao mesmo tempo a grande beleza que se encontra quando se adquire a sabedoria de equilibrar esta preciosa balança!
A balança entre os nossos desejos e vontades e as concessões que temos de fazer para existirmos numa sociedade com as suas regras, ou até mesmo na sua célula base, a nossa família.
Esse diálogo permanente é para mim a grande chave da felicidade.
Se faço tudo o que os outros querem, ou em função do que os outros pensam terei poucas oportunidades para ser feliz! Por outro lado, se fizer apenas o que eu quero, gerindo a minha vida apenas pelos meus pensamentos e desejos, corro o risco de me tornar um ser insuportável, narcisista e intolerante que não sabe dialogar e interagir com os demais “porcos espinhos” que, naturalmente, se afastarão!
Isto leva-nos a uma distinção muito conhecida na literatura e na filosofia que é a diferença entre solitude e solidão.
Solitude é a capacidade que o ser humano tem de se isolar de forma produtiva. Por exemplo, eu afastar-me para ler um bom livro, para escutar uma boa música, para desfrutar de um passeio à beira mar. A solitude não traz dor, a solitude traz momentos transformadores que nos permitem obter uma melhor relação com os outros. As grandes questões da vida são avaliadas e ponderadas em momentos de isolamento, de solitude.
Como diz Leandro Karnal “ a solitude deveria ser prescrita, tal como um medicamento”.
Sem adquirirmos a capacidade de nos isolarmos e nos sentirmos bem connosco, não seremos capazes de nos relacionarmos com os outros vivendo essa relação de forma mais profunda e intensa.
Solitude é uma virtude, solidão é um defeito.
Algo está mal quando não conseguimos estar sozinhos, ou não nos sentimos bem com a nossa companhia!
Algo está profundamente errado quando não conseguimos ficar junto dos outros e bem!
Solitude e solidão, o frio e os espinhos, o medo da solidão e a necessidade de ficar sozinho. A busca incessante e necessária da nossa identidade, o mergulho interior versus a matéria gregária da qual somos feitos que nos permite viver numa sociedade organizada e com regras.
Equilíbrio, a palavra que se impõe, sempre!
Joana Luísa Matos – Setembro de 2020
Fonte: “O Dilema do Porco Espinho” – Autor: Leandro Karnall