Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Fernando Pessoa
Desde muito cedo que a poesia entrou na minha vida como uma porta aberta para um conhecimento mais profundo, mais burilado da existência. E quanto mais procuro respostas mais instigada sou a procurar, e mais interrogações vou tendo.
No topo da lista dos autores aos quais volto sempre e que a maturidade me tem permitido redescobrir incessantemente está Fernando Pessoa. O seu texto que acima transcrevi transporta-me à grande pergunta:
Porque é que as coisas existem, em vez de não existirem?
A filosofia, a arte, a ciência e a religião procuram respostas para esta pergunta.
Mas porquê essa pergunta? Porque somos seres que não vivemos apenas, mas que existimos.
Há uma citação cujo autor desconheço e que diz o seguinte:
“Os cobardes duram mais, mas vivem pouco!”
Portanto há uma diferença entre “durar”, “viver” e “existir”.
Podemos perceber logo pela etimologia da palavra “existir”. “Existir” vem do latim “existere” que significa “ser para fora”, “aparecer”, “emergir”…
Eu não quero ser apenas alguém que vive e depois deixa de viver!
Eu quero que a minha vida faça sentido!
Este poema duro e impactante de Fernando Pessoa vem lembrar que nós somos seres transbordantes, somos seres que se recusam a ficar presos a uma mera biologia, identificados apenas por complexas reacções enzimáticas ou sinapses neuronais.
Não temos o direito de passar pela vida distraidamente!
Temos de atrair importância para as nossas vidas!
E quando falo em importância, não falo em fama, poder, estatuto ou vaidade.
Quantas pessoas anónimas, neste momento de pandemia, tratam os enfermos, distribuem alimentos, nos dão um pouco de conforto? Já reflectiram sobre a importância dessas pessoas?
Existir e não apenas viver, atrair razões que nos fazem levantar da cama todos os dias e agradecer pelo dom da vida!
A tal loucura de que nos fala Fernando Pessoa, aquela chama que nos mantem vivos e nos impulsiona a trilhar novos caminhos.
E quando o momento da morte chegar perceber que tudo valeu a pena, até os nossos erros, porque fomos seres humanos realizados e não apenas cadáveres adiados.
Como disse um dia o escritor e jornalista Aparício Torelly:
“A única coisa que levamos da vida é a vida que nós levamos.”
Joana Luísa Matos
Outubro, 2020